terça-feira, abril 28, 2009

a flor humana

Com as compras já metidas dentro dos sacos de supermercado e várias pessoas à espera na fila, a velhinha mexe e remexe na carteira. Abre todas as divisões da carteira que deve ter muitos e muitos anos, é um modelo antigo. Depois abre o porta-moedas da mesma idade e fica confusa. Tinha o dinheiro ali mesmo e já não sabe onde o pôs. Pede ajuda à neta. Olham para o chão, remexem nos bolsos do casaco antigo. Não sei onde nem como, devo ter-me distraído por uns segundos, o dinheiro aparece e a velhinha, rindo com os seus poucos dentes, exclama: "É como a flor humana! Aparece e desaparece."
A flor humana acompanhou o meu imaginário infantil, sobretudo devido a uma cantiga que a minha mãe nos cantava:

Palhacinha sai à rua, Palhacinha sai à rua
P'ra comer banana
Para apenas um escudo, paga apenas um escudo
P'ra ver a flor humana.

Era com esta cantiga que nos arraiais madeirenses um homem vestido de palhaço, sobre um pequeno palco e ao som de música gravada, atraía as pessoas à tenda onde se encontrava esse fenómeno de espantar que era a Flor Humana. A minha mãe nunca viu com os seus próprios olhos, só sabe do que ouvia contar. Mas o meu pai pagou um escudo e viu-a.
"Aparecia a cabeça dela saindo de dentro de uma jarra e depois desaparecia para baixo. Era o pai que dizia à filha para aparecer e depois cumprimentar as pessoas e ela tirava o chapéu para cumprimentar."
Aquilo dava que falar. Havia muitas teimas porque as pessoas tentavam compreender como é que aquilo era feito. Uns desconfiavam, outros acreditavam, nunca se chegava a um consenso e é assim que se alimentam os assuntos que mais duram.
A minha avolita pertencia ao grupo das pessoas que não acreditavam naquela magia. "Ela achava que aquilo não era espanto nenhum porque havia uma espécie de caixa que parecia o cubo de um moinho, onde ela achava que cabia a mulher escondida." Ninguém sabe se a minha avó tinha razão ou não.
O certo é que a Flor Humana fez parte de uma época, atraindo pessoas em todos os arraiais madeirenses. E também é certo que nunca foi esquecida. Quando algo aparece e desaparece, como o dinheiro da velhinha na caixa do supermercado, ou outro coisa qualquer, diz-se que é como a flor humana.

Comments:
O meu pai custumava dizer isso em relacao a pessoas que nao eram "frescas", que eram relaxadas e que so falavam no nome dos outros e que no fim nunca ninguem sabia de onde vinham as bilhardices, as tantas tambem podia estar a "cassoar" quando chamava alguem assim, nao sei :)
 
Olá Lília!
Também eu cresci a ouvir minha mãe empregar " a flor humana" a tudo o que aparecia e desaparecia misteriosamente...
Também imaginei a mulher a aparecer e a sumir-se sem ninguém saber como.
E até havia por aí uma sujeita a quem chamavam "a flor humana" mas julgo que era por ter algumas semelhanças físicas com a do espectáculo...
 
Postar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!