quarta-feira, agosto 11, 2010

O gófio da Ti Joaquina

A minha bisavó materna chamava-se Joaquina e sabia fazer gófio. Nunca provei essa estranha comida mas sinto que a saboreei muitas vezes, à boleia das memórias de infância da minha mãe. Todas as vezes que a minha mãe fala da sua avó materna chamada Joaquina, recorda o sabor desse antigo prato com um entusiasmo e com uma saudade tão intensos que dá gosto ouvi-la e dá gosto participar nessa viagem ao passado.
A minha bisavó Joaquina fazia gófio com centeio, que semeava, mondava, ceifava, malhava. Antes de levar ao moinho os grãos de centeio, a minha bisavó Joaquina que eu só conheço através destas memórias, torrava-os numa panela. Era por isso que a moleira ficava muito aborrecida quando a via chegar com o seu saco de centeio; as pedras do moinho ficavam sujas, que grande aborrecimento! Então a minha bisavó levava também um saquinho de trigo, para ser moido no final, assim as pedras do moinho ficavam tão limpas como estavam.
A farinha de centeio era deitada dentro de um alguidar, enquanto a minha bisavó fazia à parte, na panela de ferro colocada sobre o lar, um guisado com muita cebola, tomate, feijão e outros legumes, bem temperado como só ela sabia e mais ninguém.
Quando o guisado ficava pronto, deitava todo o conteúdo da panela para dentro do alguidar e amassava-o juntamente com o centeio, até ficar com a consistência ideal. Então, enquanto as crianças davam carreiras, entrando e saindo da cozinha e se acotovelavam à volta dela, aguardando o almoço, a Ti Joaquina fazia bolas redondas com a mistura do alguidar. Este prato é o que a minha mãe guarda como o mais saboroso de toda a sua infância.
Todos sabemos que os sabores da infância têm um sabor único apenas se não voltar a haver oportunidade de se repetirem. E felizmente foi o que aconteceu com o gófio, um prato que julgo não ser confeccionado há muito tempo na Madeira, pelo menos nunca o vi em lugar nenhum nem ouvi falar dele a não ser nestas memórias maternas.
O gófio deve ter sido trazido para a Madeira por influência das Canárias, onde também não o provei mas sei que é um prato tradicional e onde há cerca de 20 anos aprendi a seguinte quadra do folclore popular: "Isla de Fuerteventura/isla donde naci yo/isla de gofio e tarena/y de bon mojo picon."

Comments:
A semana passada participei num workshop de petiscos em que, como um workshop que se preze, todos os presentes trabalharam. A mim calhou-me fazer, a meias com um parceiro, uma iguaria mais ou menos assim:

Num tabuleiro, colocas beringela cortada aos cubinhos (com casca e tudo), maçã também cortada aos cubinhos (e também com casca), e cebola picada. Depois deitas um bocadito de azeite, outro de mel, ervas e especiarias, e vai ao forno. Entretanto, amassas o pão seco que esteve a demolhar todo esse tempo, até ele - já quase seco - se descolar da tua mão em farelos. Junta-lo ao tabuleiro e manténs no forno mais um bom bocado (ao todo, uns 45 minutos). Quando sai do forno, deixas arrefecer a mistura e fazes com ela bolinhas (que no final podes salpicar com sementes de sésamo para enfeitar). É claro que o sabor dificilmente se aproximaria ao do gófio, mas pareceu-me que o aspecto não andaria muito longe! :)

" (...) enquanto as crianças davam carreiras", essa eu não conhecia!
 
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